O relatório da Polícia Federal sobre a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes relembra o histórico da disputa sangrenta que ocorreu dentro da família Garcia, uma das principais expressões da contravenção no Rio de Janeiro.
O documento lembra que a morte de Waldomiro Paes Garcia, o Maninho, em 28 de setembro de 2004, com seis tiros de fuzilquando saía de uma academia de ginástica em Jacarepaguá, desencadeou uma série de episódios sangrentos envolvendo pessoas ligadas à família e a escola de samba Acadêmicos do Salgueiro do qual ele era patrono.
Maninho era filho do membro da Velha cúpula do Jogo do bicho e presidente de honra do Salgueiro, Waldemir Garcia, o Miro, que morreu no mesmo ano por conta de problemas de saúde.
A intrínseca relação entre a escola e a família Garcia tornou a agremiação uma importante peça no tabuleiro da disputa dos herdeiros de Maninho pelo seu espólio.
Disputa essa que se tornaria uma verdadeira guerra, que demonstra, de maneira exemplificativa, notórios homicídios e tentativas vinculados à Acadêmicos do Salgueiro e ao Clã Garcia:
Em 2007, o vice-presidente executivo da escola, Guaracy Paes Falcão PAES primo de Maninho, e sua mulher, Simone Moujarkianforam mortos a tiros em bairro da zona norte do Rio de Janeiro.
À época, foi acusado o pecuarista Rogério Mesquita.
Em 2008, Pedro Paulo dos Santos Fernandes, o Pedro Fú, irmão da já presidente da agremiação, Regina Celi, sofreu um atentado na porta da quadra da escola, ocasião em que levou oito tiros, mas sobreviveu;
Em 2009, Rogério Mesquita foi assassinado a tiros de pistola em plena luz do dia, em Ipanema, bairro da Zona Sul da cidade. A principal suspeita recaiu sobre José Luiz Barros Lopes, o Zé Personal, então marido de Shanna Harrouche Garcia, filha de Maninho.
Em 2011, Zé Personal morreu em um centro espírita no bairro da Praça Seca quando foi surpreendido por três homens encapuzados que efetuaram diversos disparos contra o bicheiro e seu segurança pessoal.
A morte teria ocorrido pouco depois de Zé Personal ter demitido o ex-capitão Adriano da Nóbrega e este ter se aproximado de Bernardo Bello, marido de Tamara, a outra filha de Maninho.
Em 2014, Marcelo Cunha Freire, o Marcelo Tijolo, vice-presidente do Salgueiro, morreu com três tiros em Vila Isabel.
Em 2017, Waldemiro Paes Garcia Júnior, o Mirinho foi sequestrado e assassinado quando deixava uma academia de ginástica na Barra da Tijuca. A polícia prendeu os executores do crime, mas nunca chegou aos mandantes. A principal suspeita recaiu sobre a disputa pelo
espólio de Maninho e, consequentemente, Bernardo Bello.
Em 2019, Shanna Garcia sofreu um atentado no Recreio dos Bandeirantes. Seu veículo foi alvo de disparos em frente a um shopping na avenida das Américas. Mesmo estando em um automóvel blindado, ela foi alvejada no braço. A filha de Maninho acusou
publicamente o seu ex-cunhado Bernardo Bello.
Por fim, em 2020, o contraventor Alcebíades Paes Garcia, o Bid, irmão de Maninho foi vítima de dois atiradores encapuzados. Seu veículo foi alvejado por diversos disparos. Bernardo Bello foi denunciado como mandante do homicídio, mas ainda não foi julgado.
Regina Celi Fernandes Duran, que foi presidente do Salgueiro, foi alvo de planejamento de homicídio por parte de Bernardo Bello que contratou Ronnie Lessa para executá-la. Regina representava os interesses de Shanna enquanto que seu opositor, os de Bernardo Bello.
Pelo fato de a contravenção carioca estar inserida num contexto de máfia, importou-se a característica da hereditariedade masculina na sucessão dos negócios. Entretanto, Mirinho era uma criança na ocasião do falecimento de seu pai, de modo que Shanna e Tamara, por
serem mulheres, não conseguiram quebrar a barreira do machismo na atividade e elencaram seus maridos/companheiros para representá-las. Com isso, Shanna se casou às pressas com Zé Personal, enquanto Tamara se aliou a Bernardo Bello.