A Justiça determinou que a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro não realize durante a Operação Verão apreensão de adolescentes, exceto na hipótese de flagrante na prática de ato infracional ou por ordem escrita da autoridade judiciária competente, sob as penas da Lei..
Argumentos e outras determinações
O direito de ir e vir, no qual está implícito o de ser transportado em um meio de transporte público para onde quiser é direito de todos; adulto, idoso, criança, adolescente portador de necessidades especiais, independentemente de gênero, cor da pele, sexo.
Ao estabelecer que todos são iguais o legislador constituinte não fez qualquer gradação pela tonalidade da pele, sexo, gênero, religião, partido político, raça, etnia e origem. Quando fez constar todos, são todos, e não alguns, e não um grupo diferenciado. Por mais claro que pareça foi necessário ao longo de tantos anos, desde a constituição de 1988, a elaboração de diversas leis para explicitar quais são o TODOS
A Justiça alega que os adolescentes e crianças encaminhados às Centrais de Acolhimento em razão das ações do Estado e município do Rio de Janeiro na Operação Verão, não estavam em flagrante delito não possuíam mandado de busca e apreensão em seu desfavor, muito menos estavam em situação de abandono, ou risco social.
Em nenhum relatório foi narrada a prática, pelos recolhidos de qualquer ato infracional, alguns estavam identificados, todos matriculados na rede pública, um deles no 9º ano do Colégio Pedro II, sendo certo que inexiste obrigação legal de adolescentes ou crianças portarem documento de identidade.
Considerou que a situação se agrava ainda mais quando se verifica que as crianças e adolescentes foram recolhidos para os locais que tem por finalidade prestar o acolhimento. Tal situação ensejou a suspensão das atividades agendadas nas instituições de acolhimento, que trabalham no limite de pessoal e material, haja vista a enorme quantidade de ACP’S em curso neste juízo, com o objetivo de melhorias nas instalações e aumento de pessoal.
Triste que a nossa sociedade esteja com “medo” de suas crianças e adolescentes, pois implica em dizer que não temos futuro.
O Estado do Rio de Janeiro e o Município do Rio de Janeiro ao realizar recolhimento, sem flagrante, sem ordem judicial, divulgar imagens, nomes de crianças e adolescentes violam direitos fundamentais daqueles que devem, por imposição constitucional proteger.
A Constituição e a lei são para todos, governantes e governados. e tem por fim organizar a sociedade, assim estabelece limites que não podem ser ultrapassados. O maior limite à ação do Estado são os direitos fundamentais insculpidos de forma a salvaguardar o povo de eventuais abusos do Estado. Não por acaso estão insculpidos no artigo 5º como cláusulas pétreas, ou seja, imutáveis.
Importante observar que os relatórios apontam os territórios de origem das crianças e adolescentes recolhidos, e indicam que todos são da periferia, dos Municípios da Baixada Fluminense, tais como Duque de Caxias e São João de Meriti, e oriundos de bairros do subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, dentre outros: Bonsucesso, Jacaré, Manguinhos, Nova Holanda, complexo do alemão, Caju, Comunidade do São Carlos.
As imagens divulgadas, de forma ilegal, de adolescentes e crianças nas redes sociais e nos documentos juntados pelo MP mostram que a tonalidade de pele dos recolhidos é via de regra, preta ou parda.
Importante que o Estado e o Município do Rio de Janeiro se mobilizem para garantir a segurança de todos na praia e no acesso a ela, mas sem violar, direitos sem incentivar mais violência. Os moradores das periferias pardos e negros, crianças e adolescentes, devem ter garantido o seu direito de desfrutar das praias como todos os outros, cabendo ao Estado e Município assegurar o ir e vir seguro a todos.
Essa ação indica a presença do racismo estrutural de nossa sociedade, termo cunhado para identificar as sociedades estruturadas com base na discriminação que privilegia algumas raças em detrimento de outras. O racismo estrutural é muito maior do que o preconceito racial e exige que seja reconhecido para ser combatido e revertido.
A ação de segurança pública, na forma moldada por essa operação, identifica como ameaça à segurança dos moradores da zona sul, crianças e adolescentes oriundos da periferia e cuja tonalidade da pele é parda ou negra. A associação da tonalidade da pele à criminalidade demonstra a presença do racismo estrutural.
Ações como a desenvolvida na OPERAÇÃO VERÃO reforçam essa estrutura triste e vergonhosa de segregação, exclusão e divisão, cria temores entre a população e incentiva o surgimento de grupos de “justiceiros”. Cinge o Rio de Janeiro, quebra a alma do carioca, hospitaleiro, gentil, alegre. O carioca que gosta de pé na areia, vento no rosto, surf, samba, funk, skate; que joga ”altinha”, futebol, vôlei, tênis, tudo isso, no espaço da praia.
Importante que o Estado e o Município do Rio de Janeiro se mobilizem para garantir a segurança de todos na praia, e no acesso a ela, mas sem violar direitos, sem incentivar mais violência, sem reforçar o racismo estrutural. Os moradores das periferias, pardos e negros, crianças e adolescentes devem ter garantido o seu direito de desfrutar das praias como todos os outros, cabendo ao Estado e ao Município assegurar o exercício do direito de ir e vir seguro a todos.
Demonstrado pela documentação apresentada nos autos que a OPERAÇÃO VERÃO já teve início e possui previsão de ser repetida durante todo o verão presente o perigo na demora que enseja a possibilidade de antecipação da tutela jurisdicional.
A violação a direitos fundamentais de crianças e adolescentes resta demonstrada pela referida ação de segurança, presente, pois a fumaça do bom direito necessária para o deferimento da tutela antecipada.
Ante o exposto, presentes os pressupostos, DEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, e DETERMINO que o Estado do Rio de Janeiro e o Município do Rio de Janeiro se abstenham de apreender e conduzir adolescentes a Delegacias de Polícias, senão em hipótese de flagrante de ato infracional, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária;
Foi determinado ainda ao Estado do Rio de Janeiro e o Município do Rio de Janeiro que se abstenham de apreender e conduzir crianças e adolescentes a Serviços de Acolhimento, CRAS, CREAS, Conselhos Tutelares e outros equipamentos, senão em razão de situação que seja aplicável medida protetiva de urgência, nos termos previstos no ECA, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente;
Também que o Estado do Rio de Janeiro e o Município do Rio de Janeiro se abstenham de apreender e conduzir crianças ou adolescentes a Delegacias de Polícia ou a qualquer outro equipamento, apenas para fins de identificação compulsória pelos órgãos policiais ou para simples verificação da existência de mandado de busca e apreensão expedido em seu desfavor, sem estarem em situação de flagrante de ato infracional, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária, sob pena de multa de R$ 5.000,00 por cada criança ou adolescente que for recolhido de forma ilegal ao Estado do Rio de Janeiro e o Município do Rio de Janeiro que todo encaminhamento realizado por seus agentes, para aplicação de medida protetiva de urgência, seja realizado através de T.R.O (no caso de agentes de segurança) ou outro documento, contendo narrativa da situação considerada de risco, e a identificação do condutor, com nome, matrícula e assinatura, sob pena de multa de R$ 5.000,00 por cada recolhimento realizado em desacordo com essa determinação;
Ficou decidido ainda ao Réus que nenhuma criança ou adolescente seja conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, ou em quaisquer outras condições atentatórias à sua dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de multa de R$ 5.000,00 por cada criança ou adolescente conduzido nessas condições;
Não poderão ao Réus que se abstenham de utilizar veículo ou qualquer outro recurso material ou humano destinado aos serviços municipais de acolhimento, em desvio de função, em especial para ações da chamada Operação Verão, ressalvadas hipóteses de situações de emergência, calamidade pública, catástrofes ou causas similares, sob pena de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil) reais por cada utilização de veículo, recurso material ou humano em desacordo com essa determinação.
Intime-se a Direção das Centrais de Recepção e às Diretorias de todas as URS e todos os Conselhos Tutelares, para ciência da proibição de utilização de veículos ou de qualquer outro recurso material ou humano em desvio de função, em especial para ações da chamada Operação Verão, encaminhando-se cópia da inicial com a ocultação dos nomes das crianças e adolescentes.
Intime-se o Estado do Rio de Janeiro para apresentar, no prazo de 10 dias corridos, Plano de Segurança Pública voltado para repressão de adolescentes em conflito com a lei, para o período do verão, que não viole os direitos convencionais, constitucionais e legais de crianças e adolescentes, especialmente o direito de ir e vir, o direito ao lazer e o direito à convivência familiar e comunitária, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00.
Intime-se o Município do Rio de Janeiro para apresentar, no prazo de 10 dias corridos, Plano de Abordagem Social para o período do verão, que não viole os direitos convencionais, constitucionais e legais de crianças e adolescentes, especialmente o direito de ir e vir, o direito ao lazer e o direito à convivência familiar e comunitária, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00.
Intime-se o Estado do Rio de Janeiro para apresentar, no prazo de 20 dias corridos, programa de capacitação dos agentes policiais em relação aos direitos humanos de crianças e adolescentes, durante as abordagens, de modo que os agentes se sintam seguros para atuar na área repressiva, em prol da segurança pública e em respeito aos direitos da população infantojuvenil, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00.
Intimem-se pessoalmente o Governador do Estado do Rio de Janeiro e o Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, para que tenham ciência inequívoca das situações de violação de direitos que ocorreram por força da atuação de seus agentes.
Extrai-se cópia integral dos autos e encaminhamento para o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Investigação Penal, para apurar a conduta dos agentes de segurança que realizaram as ações de “recolhimento compulsório” de adolescentes, identificados nos relatórios encaminhados pela Central de Recepção Carioca, ressalvando-se o sigilo do documento a fim de garantir a privacidade dos adolescentes vítimas.
Oficie-se à Central Carioca requisitando, no prazo de 10 dias, relatórios referente aos encaminhamentos de crianças e adolescentes à unidade por força das ações no âmbito da chamada Operação Verão, ocorridos após o dia 03/12/2023, devendo informar dados de identificação dos adolescentes; endereço; as circunstâncias de sua chegada à Central; dados de identificação do(s) agente(s) condutor(es), a documentação ou narrativa apresentada pelos agentes condutores para justificar o encaminhamento a Central; forma de transporte; tratamento dispensado aos adolescentes pelos agentes condutores; as medidas adotadas pela equipe da Central em relação a cada adolescente, indicando, especialmente, se foi constatada situação de vulnerabilidade que ensejasse a aplicação de medida protetiva de acolhimento emergencial.