Relatório da Justiça traz detalhes sobre uma nova guerra entre contraventores que se instalou na cidade do Rio de Janeiro desde 2022 entre os bicheiros Bernardo Bello e Adilsinho.
O documento traz detalhes de assassinatos e atentados e a conexão entre os crimes que vitimaram policiais e até um miliciano.
O relatório também cita a participação de PMs na disputa.
O HOMICÍDIO
O assassinato de Fernando Marcos Ferreira Ribeiro em abril do ano passado na Tijuca visava a expansão criminosa da quadrilha chefiada pelo contraventor Adilsinho para dominar, tomando à força, os pontos de jogos do bicheiro Bernardo Bello.
Na guerra pela expansão territorial visando tomar com violência extrema os pontos nas Zonas Sul e demais bairros do Rio de Janeiro , os homens ligados a Adilsinho agiam para dissuadir os gerentes e operadores do jogo ilícito chefiados pelo bicheiro Bello , ora realizando o monitoramento dos adversários para a sua execução,
O homicídio foi praticado com recurso que tornou impossível a defesa da vítima, sendo certo que esta foi surpreendida pela ação dos executores que desceram do veículo e inopinadamente efetuaram os disparos fatais..
Fernando tinha diversas anotações criminais por delitos relacionados à contravenção.
Em 2012, no procedimento 921-00278/2012, foi investigado por ser o locatário do imóvel em que funcionava um bingo, à Rua Maxwell, 174 – Tijuca, no interior do Esporte Clube Maxwell.
Em 2013, no mesmo local, o bingo foi novamente fechado, e Fernando novamente se apresentou como responsável, tendo figurado, também, como depositário das MEPs, nos autos do procedimento 912-01731/2013.
Em 2014, novamente, Fernando foi novamente investigado por reabrir o bingo no mesmo local, no Clube Maxwell. Foi autuado
pela Corregedoria da PCERJ, nos autos do procedimento 020-03703/2014
Segundo a autoridade policial, a área de atuação da vítima, no bairro de Vila Isabel, era reconhecidamente dominada, à época, pela família Garcia, herança do capo Miro, o que provocaram diversas mortes no seio familiar, em razão de disputas entre aqueles que se consideravam legítimos herdeiros e Bernardo Bello que tomou para si a exploração do território, empregando, para tanto, a violência e a prática reiterada de homicídios de desafetos.
A vítima recebeu uma mensagem em que ele, juntamente com todo o “pessoal damfirma”, terá que comparecer a um compromisso com um “político do Bernardo.]
A investigação ainda identificou outra conversa na qual a vítima encaminhou uma foto pelo WhatsApp, com o título “Rota 15”, com vários endereços de “pontos” e contendo “códigos de operação” que comumente são utilizados para identificar máquinas caça-níqueis, sendo, ao total, 19 (dezenove) pontos situados na Zona Sul desta cidade.
Outra conversa identificada possibilitou verificar que a vítima, Fernando, posiciona como o “Zero Três” da quadrilha, e manifesta
preocupação com a sua segurança.
Ainda, conforme apontado pela investigação, diálogos travados no final do mês de janeiro do ano de 2023 denotaram que a vítima demonstrava preocupação com a segurança dos pontos controlados pela contravenção, e buscava arregimentar nacionais que trabalhassem como seguranças da área.
Quanto ao homicídio, as imagens das câmeras de segurança adjacentes ao local foram exaustivamente analisadas, e pôde-se perceber queFernando, aparentemente, sofreu uma emboscada, eis que estacionou o veículo em que estava, um Fiat/Mobi, de cor branca e placas, na Rua Caruso, bem à frente do local em que posteriormente se dirigiu.
Segundo a autoridade policial, Fernando iria até a casa de um advogado que assumidamente presta (ou prestava) serviços para a contravenção, entregar a parte do quinhão que lhe cabia.
O tempo em que a vítima permaneceu aguardando para ser atendida, em frente à portaria do prédio, foi suficiente para que veículo VW/GOL adentrasse à Rua Caruso, sendo que, uma vez identificado o alvo, desembarcaram dois nacionais pelas portas traseiras, portando fuzis, e dispararam contra Fernando, seguindo na direção da Rua Haddock Lobo.
Conclui-se que, para a empreitada criminosa, fora utilizado um veículo “clonado”, o que faz parte do modus operandi quando se trata de homicídios executados por grupos de extermínio, que via de regra prestam serviços mediante paga, mormente para a contravenção.
A análise das câmeras do local do crime revelou, ainda, que no veículo da vítima havia dois homens que aparentemente portavam armas de fogo, e que desembarcaram e correram, tão logo iniciaram-se os disparos.
Ambos os suspeitos tinham anotações relativas a jogos de azar, em razão de estarem exercendo as funções de segurança de um galpão, onde estaria “ocorrendo uma reunião entre contraventores, milicianos e policiais”
Um deles, ouvido foi ouvido em sede policial no dia 17/04/2023, relatou ser amigo da vítima fatal há cerca de sete anos. Disse que a acompanhava “todas as quartas feiras do mês”, quando “iam até um depósito de bebidas”, apesar de negar ter ciência do que Fernando
fazia, já que somente “ele era quem descia do veículo”. Relatou receber de cem a duzentos reais por diária trabalhada, e confirmou que o telefone que foi encontrado e apreendido no banco traseiro do veículo em que estava a vítima, é de sua propriedade.
Também foi ouvido o outro ocupante do veículo, no dia 19/04/2023, tendo relatado que Fernando o ligava com frequência, para que ele, juntamente com o comparsa que estava no carro, pudesse o acompanhar em saídas pela Zona Sul deste município, ocasiões em que
Fernando conversava com apontadores do jogo do bicho e depois retornava para o veículo”
Relatou ter ciência de que a vítima trabalhou para a contravenção, contudo, disse não saber se ainda possuía esse vínculo.
Ele ainda deu outra versão para o encontro com o advogado alegando que todos iriam para o município de Niterói, “comprar peixes para a semana santa”.
A investigação mostra que houve vigilância e monitoramento àvítima ocorrida no dia 05/04/2023 – um dia antes da sua morte -, ambos os homens que estavam no carro eram seguranças da vítima.
Nesta data (05/04/2023), a vítima e um outro contraventor já estavam sendo acompanhados pelo grupo rival, sendo Fernando morto no dia seguinte (06/04/2023), e o contraventor pretenso alvo do atentado ocorrido no dia 14/04/2023, que acabou por vitimar
seu filho.
O advogado citado disse que era amigo da vítima há mais de vinte anos; (ii) que Fernando “chefiava pontos de jogo do bicho do contraventor Bemardo Bello na Zona Sul”; que era a vítima quem realizava o pagamento para ele, já que o advogado assumidamente prestava serviços para a quadrilha;
Fernando lhe relatou, por meio de conversas no aplicativo WhatsApp e pelo telefone, que desde segunda-feira (dia 03/04) “havia estourado uma guerra da contravenção” (sic), que a vítima estava saindo todos os dias de casa às 06h00min, sem ter hora para voltar; (v) e que a vítima “exercia a função de gerente de pontos de jogo do bicho e de máquinas caçaníqueis na Zona Sul”, e reportava a um homem em Vila Isabel que estava acima dele.
Avançando na investigação, obteve-se, junto à locadora de veículos a informação de quem seria o locatário do veículo Fiat/Mobi que
era utilizado pela vítima e pelos seus comparsas, todos ligados à estrutura de exploração de máquinas caça-níqueis, conforme intelecção das informações obtidas. Referido veículo possuía como locatário um policial militar.
O PM apresentou uma versão de que sublocava esse (e outros) veículos para serem utilizados como carros de aplicativo (Uber, 99TAXI, etc), e alegou não saber quem eram os motoristas, ou, especificamente, quem era o motorista locatário do Fiat/Mobi, tendo buscado atribuir toda a responsabilidade pelo controle das referidas locações a uma outra pessoa na tentativa de utilizá-lo como “bode expiatório”,
ocultando a real ciência de quem eram os ocupantes do seu veículo, bem como qual era a real finalidade do repasse do automóvel.
Para a polícia, não restaram dúvidas de que alugou, em nome próprio, veículo que era utilizado pela estrutura criminosa de Bernardo Bello.
A execução de Fernando foi realizada à luz do dia, em dia de semana, no horário escolar, e em região nobre da cidade – o que, por si só,
revela o destemor dos executores e sua completa crença na impunidade.
O ATENTADO
Segundo a autoridade policial, na data de 14/04/2023, houve mais uma tentativa de homicídio oriunda dessa disputa de território e poder, entre diferentes máfias que exploram o jogo do bicho e as conhecidas máquinas caçaníqueis.
O fato ocorreu na Rua Catumbi, altura do número 6 – Catumbi, próximo a um dos maiores cartões postais desta cidade, a Marquês de Sapucaí, local que ironicamente recebe as escolas de samba do carnaval desta cidade, escolas que são “usadas” por alguns contraventores na tentativa de popularizar sua atuação.”
Nesse evento, foi vitimado o filho de um outro contraventor (Luiz Cabral) , que era o verdadeiro alvo e que possui diversas anotações criminais por “jogo do bicho” delitos praticados, como era de se esperar, na área da 20ª DP, ligados, portanto, ao bicheiro Bernardo Bello.
Por ocasião da referida tentativa de homicídio, que segue sendo investigada pela 6ª DP (IP 006-02055/2023), o pai da vítima, provável alvo,
prestou declarações naquela unidade e deu diversas entrevistas em diferentes canais de tv, relatando, em síntese, (i) trabalhar para a contravenção há cerca de vinte anos, gerenciando “47 pontos de jogo do bicho, da área que vai do bairro do Andaraí até o Leblon”; (ii) estar ocorrendo uma tentativa de “invasão” à área em que trabalha, ligada, conforme relatou, à “família Garcia”; (iii) que, quem estaria por trás dessas invasões, com poder de mando, sendo também apontados como mandantes da tentativa de homicídio de seu filho, seriam Adilsinho, Rogério Andrade e Vinicius Drummond.
Segundo ele, os capos estariam enviando “equipes”, formadas por policiais envolvidos com a quadrilha, para todos os pontos de bicho da área em que ele trabalha, ligada ao contraventor Bernardo Bello, e proferindo ameaças de morte contra quem resistisse em “mudar de lado” e que os bicheiros estariam tentando estabelecer “uma nova cúpula do jogo do bicho”.
Cabral afirmou trabalhar para a contravenção há cerca de vinte anos, sempre ligado à família Garcia”. Quando perguntado para quem da referida família trabalhava, recusou-se a responder.
Segundo a autoridade policial, seria de conhecimento público que a área em que disse trabalhar é explorada por Bernardo Bello.
Ele trouxe, dessa forma, informações ligadas ao submundo da contravenção e revelou que, desde o dia 03/04/2023, na segunda-feira
anterior à morte da vítima do presente procedimento, havia eclodido uma “guerra”, e o que chamou de “pessoal do Adilsinho passou a rodar os pontos da família Garcia, dizendo que, a partir daquela data, Adilsinho seria o novo “dono” dos pontos de jogo do bicho.
A alegação foi corroborada através das mensagens trocada entre a vítima Fernando e o advogado.
A NOVA CÚPULA DO BICHO
Nessas investidas, segundo a autoridade policial, os “seguranças” de Adilsinho, ao intimidarem os comerciantes que possuíam máquinas caçaníqueis em seus estabelecimentos, deixavam o recado de que, a partir de então, haveria uma “nova cúpula do jogo do bicho, formada por ele, Rogério Andrade e família Drummond também deixavam um telefone de contato de uma empresa aberta em Duque de Caxias.
A linha era usada por um homem que foi preso nesta terça-feira.
Segundo a autoridade policial, esse homem_ chamado Marcos Paulo_ possui anotações criminais relacionadas a jogos de azar na circunscrição de Caxias-RJ, reduto do Adilsinho”, e, comprovando o seu envolvimento nesta disputa. exploração de jogos de azar, impende-se reforçar que ele foi
atingido na disputa havida no dia 15/04/2023, sábado, dia seguinte à tentativa de homicídio contra o filho do outro contraventor, ocorrido na Boulevard 28 de Setembro, altura do número 311 – Vila Isabel.
A investigação aponta que ele é umbilicalmente ligado a Adilsinho destacando que, por diversas vezes, visitou a residência de dele, cujo codinome, segundo a autoridade policial, é “patrão”. A autoridade policial destacou a consulta que foi realizada a condomínio situado na Av. Lúcio Costa na – Barra da Tijuca (endereço conhecido do contraventor
O trabalho o de investigação concluiu que Marcos Paulo durante o mês de abril de 2023, circulava pelos pontos que eram dominados
por Bernardo Bello rodeado de seguranças, anunciava, como portavoz de seu patrão, que havia uma Nova cúpula, e a partir dali quem mandava era Adilsinho, fornecendo o seu próprio telefone para que qualquer conflito fosse resolvido com ele.
Segundo a polícia, gundo a autoridade policial, em uma dessas investidas, no sábado dia 15/04/2024, nove dias após a morte da vítima Fernando, e no dia seguinte à tentativa de homicídio do filho de Luiz Cabral houve uma reação do grupo de Bernardo Bello, tendo o próprio contraventor que teve o filho baleado comandado a ofensiva, enquanto os aliados de Adilsinho realizavam a troca de máquinas caça-níqueis no bar “Parada Obrigatória”, situado na esquina da Rua Souza Franco com a Boulevard Vinte e Oito de Setembro
]
Uma testemunha que trabalhava no bar relatou que no seu estabelecimento havia sete máquinas do tipo caça-níquel há cerca de dois anos, sendo o responsável pelo recolhimento semanal do dinheiro era Cabral.
Todavia, no começo do mês de abril, nacionais que se disseram de um “grupo de Caxias” invadiram o estabelecimento, arrombaram os cadeados das máquinas e disseram que, a partir de então, a responsabilidade seria deles.
Marcos Paulo tentou esconder o vínculo que possuía com o grupo de Caxias, alegando que estava “pagando selo” para Cabral ou seja, que estaria arrendando as máquinas deste último, tendo havido um desentendimento no “negócio”, que culminou na troca de tiros ocorrida no dia 15/04/2023.
Foram encontrados diversos contatos com referência ao “bicho”, “patrão”, além de outros números que foram gravados como “Dutra/Sem Alma” (em referência a um PM indiciado em outros procedimentos como sendo integrante do bando de Adilsinho, envolvido em outras mortes, segundo a autoridade policial), contato de Ronnie Lessa (executor da vereadora Marielle Franco e do seu motorista Anderson), além de fotos alusivas a máquinas caça níqueis.
Segundo a autoridade policial, “Sem Alma” foi indiciado pela morte de “Marquinho Catiri, e é umbilicalmente ligado a Adilsinho, já tendo, inclusive, visitado sua residência no condomínio.
Marcos Paulo passou ter se “apropriado” da área que era pertencente a Bernardo Bello (Grajaú, Vila Isabel, região Central e Zona Sul), passou a exercer uma “contabilidade” dos pontos de contravenção da área, sendo interessante observar que ele administra exatamente as mesmas áreas que foram citadas no depoimento do contraventor que teve o filho baleado como sendo anteriormente “pertencentes” ao grupo de Bernardo Bello.
Segundo a autoridade policial, ainda existe um bingo clandestino que funciona no bairro de Copacabana, e que também é administrado pelo Marcos
Segundo a polícia, esse bairro foi palco da guerra travada no mês de abril de 2023, “quando capangas de Adilsinho
rondavam e ameaçavam os integrantes do grupo de Bernardo, fato ocorrido, inclusive, no dia anterior à morte da vítima Fernando Marcos.
Marcos Paulo tem acesso a um sistema no qual é realizada a contabilidade da contravenção, sendo possível verificar uma movimentação milionária de dinheiro, e que frequentemente o investigado faz prints do balanço semanal dos pontos de contravenção. Em sete dias, faturou mais de R$ 1,5 milhão.
Luiz Cabral apresentou fotos de veículos que estariam envolvidos nas investidas do grupo rival, automóveis que estariam a serviço de “Adilsinho”.
Dois dos veículos seriam de propriedade de PMs, sendo um deles acusado de monitorar a vítima Fernando Marcos.
A CONEXÃO ENTRE OS CRIMES
Destacaram os investigadores que houve convergência para o confronto realizado entre as cápsulas de fuzil utilizadas e apreendidas por ocasião da execução de Fernando Marcos e as cápsulas apreendidas na tentativa de homicídio do filho de Luiz Cabral
Ainda, constatou-se que foi utilizada a mesma arma para a prática de ambos os crimes, o que se deu pela intelecção e análise dos componentes de munição que foram apreendidos em outros homicídios, em especial do miliciano e contraventor Marquinho Catiri (IP 901-01042/2022), que era considerado o “braço armado de Bernardo Bello”; do segurança de Catiri, vulgo “Sandrinho” (IP 901-01046/2022); no homicídio do policial penal Bruno Kilier Fernandes (IP 901-00622/2023); e ainda na execução do policial civil João Joel de Araújo, morto em 2022 (901- 00398/2022)
Conclui-se que das armas que foram utilizadas para executar Catiri saíram os disparos que executaram Fernando Marcos e que foram utilizadas também na tentativa de homicídio do filho do contraventor Luiz Cabral que foi ameaçado, repita-se, um dia antes do crime em que era a pretensa vítima.